A segunda entrevista da seção Viajando com quem Viaja é com o Rafa Etges, pra quem (ainda) não o conhece, ele é nosso correspondente no Viajoteca e sua especialidade são as viagens relacionadas a montanhismo, alpinismo e muita aventura (não necessariamente nessa ordem).
Atualmente o Rafa Etges mora em Toronto com a esposa Monique, está sempre fazendo trilhas pela região, trabalha com TI (Tecnologia da Informação) e é um bom tomador de cerveja. 🙂
Um pouco sobre o Rafa Etges…
Eu, Mirella, conheci o Rafa Etges e a Monique há 10 anos, quando eles se mudaram para o Canadá. Porém, como morávamos distante a amizade não avançou, mas estávamos sempre em contato através dos blogs, social media e essas coisas. Somente em 2012, quando voltei da Austrália para o centro de Toronto, nos reencontramos. Desde então, eles se tornaram excelentes amigos. Sempre que podíamos saíamos pela cidade para explorar um novo barzinho, um restaurante diferente e bater papo. Sem contar que ele até começou a nos levar (eu e o Kiko) para treinar pelos parques de Ontario!
Enfim, o Rafa Etges é uma pessoa incrível, as viagens que ele faz sempre me deixam com olhos arregalados, especialmente quando ele conta sobre os treinamentos… Para terem uma ideia, ele já dormiu na sacada do seu apartamento uma noite de inverno canadense (a -27C) para treinar para o Aconcágua, e a Monique vire e mexe ia lá ver se ele ainda estava vivo!
Mas chega de blá blá blá e vamos deixar o Rafa Etges falar…
Entrevista com Rafa Etges
1)
Rafa Etges, nós sabemos que sua grande paixão são as viagens de montanhismo e alpinismo. Conta pra gente como você começou a praticar esse esporte?
Eu comecei com 17-18 anos no Rio de Janeiro, fazendo as trilhas mais comuns na cidade com amigos e aumentando a intensidade quando queríamos mais desafio. Logo estávamos fazendo travessias pela Serra do Orgãos e no sul de Minas. Éramos um bando de estudantes sem recursos ou técnica, e tudo era com 10% planejamento e 90% “força bruta”, resolvíamos os problemas na medida em que apareciam e isso era parte importante da experiência.
Não existia informação na Internet, ninguém tinha GPS, e mapas eram uma raridade. A gente tentava saber mais sobre as trilhas ouvindo outras pessoas falarem a respeito e ia conferir. Comecei a namorar a Monique nessa época e ela entrou na onda de trilhas e acampamentos – teve ocasiões em que fomos para a rodoviária do Rio e somente lá decidimos onde iríamos, pegando o próximo ônibus que saísse para algum lugar interessante.
Em seguida, o pulo para escalada aconteceu naturalmente, pois muita gente que trilhava também escalava, e a gente já gostava de pedra e lama mesmo…
2)
Dentre todas as viagens que já fez, qual foi a mais desafiadora e qual a mais especial?
A última expedição ao monte Aconcágua foi especial, talvez por ter sido a mais difícil. A altitude foi extrema e pensei seriamente em desistir, principalmente no último dia quando atacamos o cume e eu simplesmente não tinha mais energia, a montanha tinha tirado tudo de mim. Mas também conheci pessoas sensacionais, como os guias Bolivianos que vivem no altiplano Andino e entendem as montanhas com intimidade e respeito.
Temos uma grande oportunidade incrível de conhecer culturas locais em lugares remotos durante essas expedições. Mas muitos montanhistas focam toda sua atenção no cume, como um desafio técnico a ser vencido. Para mim, compartilhar uma refeição com pastores Maasai na Tanzania ou escalar com o guias locais no Cáucaso Russo e conhecer suas estórias são tão importantes quanto alcançar o pico dessas montanhas.
3)
Já teve experiência de não chegar ao cume de alguma montanha? Se sim, isso foi relacionada ao condicionamento físico ou adversidades da natureza?
Já tentei chegar ao cume do monte Rainier nos EUA duas vezes sem sucesso. Na primeira, tivemos de descer há menos de 300 m do cume por causa de uma tempestade de neve que nos deixou sem visibilidade nenhuma no meio da noite. Já na segunda vez, foi por conta de uma frente fria que trouxe uma semana de neve e chuva incessantes, gerando o risco de avalanches na parte alta da montanha.
4)
Pra quem quer começar a praticar essas viagens de montanhismo e alpinismo, qual seu conselho? Como se preparar fisicamente? Qualquer pessoa pode se aventurar?
O montanhismo exige que voce esteja bem preparado física e mentalmente. Isso não significa que você precisa ser um super-atleta, eu com certeza não sou. Eu sou consultor em TI, trabalho e estudo muito, e meus amigos sabem que gosto de churrasco e cerveja. Mas você precisa treinar 3-4 vezes por semana no mínimo (musculação, e exercícios anaeróbicos como corrida ou natação), aumentando a intensidade perto de uma viagem.
Certamente, experiências anteriores em trilhas e acampamentos vai ajudar bastante. Você precisa ter uma atitude mental flexível e pensar sempre no grupo: não pode entrar em pânico quando a barraca vazar água durante a noite e tudo ficar molhado, ou o grupo se atrasar em uma trilha durante horas, ou se irritar se alguém esquecer algum equipamento importante e você precisar compartilhar o seu – ou todas essas coisas acontecerem no mesmo dia, como ocorreu comigo… Se essa é a sua personalidade então é melhor ficar longe das montanhas, caso contrário elas vão te dar a melhor experiência da sua vida!
5)
Esse tipo de viagem é possível fazer independente? Ou melhor ir com grupo? Recomenda alguma empresa?
Eu sempre recomendo ir com um grupo, não só por causa do risco, mas também porque uma trilha ou montanha são lugares para serem compartilhados. No caso de alta montanha é importantíssimo contar com profissionais que já guiaram naquela montanha anteriormente.
Pesquise quem são as outras pessoas participando na expedição também, guias e montanhistas. Particularmente a minha primeira escolha é a Berg Adventures, baseada aqui no Canada. Eu conheço os donos (incluindo uma Brasileira) e os guias, e a experiência sempre foi excelente. Existem outras empresas respeitadas no mercado como a International Mountain Guides (IMG), e a Rainier Mountaineering Inc (RMI), ambas baseadas nos EUA. Fica o conselho de que preço é sempre importante, mas a segurança e o apoio recebidos na montanha precisam vir em primeiro lugar.
6)
Sobre os custos das viagens, é muito caro? Você pode nos dar uma ideia?
Se você pratica trilhas ou montanhismo perto de casa, o custo pode ser baixo. Já que apenas o equipamento básico e amigos ou guias locais seriam suficientes. Para viagens internacionais certamente não sai barato: para uma expedição guiada em alta montanha, os custos podem variar entre $1.000 (montanhas nos EUA), passando por $3.000 (vulcões no Equador ou montanhas na Bolivia), $5.000 (Elbrus ou Aconcágua), indo até $40.000 para picos na Antártica ou mesmo $70.000 ou mais para o Everest.
Estamos falando de expedições comerciais guiadas por profissionais, com apoio logístico e equipamento de grupo (barracas, comida, equipamento de segurança, etc) normalmente inclusos. Passagens aéreas não estão inclusas, nem equipamento pessoal (roupas, saco de dormir, etc). Existem várias empresas e os preços variam com a competição.
Nesse caso, eu recomendo pesquisar muito e utilizar a melhor empresa que puder encontrar, pois você literalmente vai colocar sua vida nas mãos deles. As empresas mais baratas cortarão custos como comida de qualidade, menos dias para aclimatação na montanha, guias amadores e equipamento inferior.
7)
Já tem data para a próxima aventura? Pra onde vai e qual o ritmo de treinamento?
Alasca em Junho, para escalar o monte McKinley ou “Denali”, que fica próximo das geleiras ao norte de Anchorage. Fisicamente, essa montanha pode ser mais desafiadora que o monte Everest: o montanhista vai carregar mochilas cargueiras enquanto puxa um trenó com 30 kg de equipamento de escalada, incluindo 3 semanas de comida, durante vários dias.
Não há sherpas ou animais para ajudar, e o clima ártico faz com que as temperaturas variem entre +40º C e -30º C, às vezes no mesmo dia. Tempestades de vento e neve são comuns e podem deixar uma expedição presa dentro de barracas durante dias ou semanas. No verão o sol brilha o tempo todo, fazendo com que o organismo entre em um ciclo falso de atividade constante. Acredito que seja o mais próximo que podemos chegar de explorar um outro planeta!
O treinamento precisa incluir atividades aeróbicas como corrida ou caminhadas longas, e anaeróbicas como musculação, e a preparação mental também é muito importante. Eu estou treinando 5 dias por semana, com dois dias de descanso para evitar um machucado antes da partida, que seria desastroso!
8)
Você sonha em alcançar o Everest? Acredita que a experiência seja realmente incrível, ou já virou muito turística nesse meio de alpinistas?
O Everest, principalmente na sua rota sul pelo Nepal, tem criado muita controvérsia. Por ser o pico mais alto do mundo todo montanhista sonha em escalá-lo um dia, mas as dificuldades e o clima na montanha torna a subida praticamente impossível a não ser durante um curto período no mês de Maio. Nessa época o vento diminui e centenas de pessoas tentam subir os 8.848 metros de rocha, neve e gelo para pisar no cume do planeta.
Hoje em dia temos a tecnologia para prever com precisão o dia e hora em que o clima vai estar nas melhores condições possíveis. Como todas as expedições tem acesso à mesma informação todos correm para a montanha, formando os famosos “engarrafamentos”.
Já pensei muito à respeito e apesar de respeitar as pessoas que estiveram lá, eu não tenho planos para o Everest por duas razões. Primeiro, a Monique me pediu para não ir por causa do risco, e eu respeito o pedido – quando você tem uma família a sua vida passa a não te pertencer mais, mas a eles também. Isso eu aprendi com um guia na Rússia que poderia ter alcançado fama mundial por sua habilidade nas montanhas, mas parou de fazer escaladas extremas quando seu filho nasceu. Eu concordo com ele. A segunda razão elimina o problema de vez – eu simplesmente não tenho o dinheiro necessário nem patrocinadores para cobrir os custos dessa viagem! 🙂
9)
Sobre as viagens “normais”, aquelas que a Monique te acompanha, qual foi sua preferida e qual está na lista desse ano?
A minha preferida foi a viagem à Islândia que fizemos em 2013 (e já a descrevi aqui no Viajoteca). “Por acaso”, essa viagem teve muitas aventuras, fomos procurar baleias no oceano Norte-Atlântico, a Monique caminhou pela primeira vez com garras nos pés em uma geleira, e visitamos o interior de um vulcão adormecido.
Depois do Aconcágua e Denali, eu vou ter de sossegar até o ano que vem. Já que em 2015 quero visitar amigos nos Andes Bolivianos, e estou trabalhando em um “projeto” no Ártico Canadense.
10)
Gostaria de adicionar mais alguma coisa a essa entrevista? A palavra é sua Rafa Etges…
Primeiramente, obrigado pela oportunidade de conversar sobre esse assunto aqui. O montanhismo é uma atividade extremamente segura quando feita com respeito e seriedade. Você não precisa ser extremamente forte, ou rico, dependendo de onde mora pode sair de casa e começar a praticar com um custo muito baixo.
Como em outros esportes ao ar livre temos tem a chance de limpar a cabeça das “teias de aranha” que a vida cotidiana lá – medos, inseguranças, estresse, frustrações… as montanhas nos ensinam muita coisa sobre nós mesmos, além de permitir visitar lugares e culturas do planeta que nunca conheceríamos de outra forma! Obrigado!
Ping-Pong de Viagem:
1 – Alguma viagem a vista? Qual seu próximo destino?
Alasca!
2 – Quantos países você já visitou?
Menos do que gostaria – acho que uns 15.
3 – Você coleciona algo dos destinos que conheceu?
Sim, eu “roubo” pedacinhos de rocha de algumas montanhas que visito.
4 – O que te motiva a escolha do destino de viagem?
O quão remoto e fora do circuito mainstream fica o destino.
5 – Tirando o país que você mora, qual dos países pelos quais você conheceu que você acredita que se adaptaria para morar?
Gostaria de morar na Europa, no norte, porque gosto de frio e neve, e porque eles tem uma cultura de viagem e conhecer o mundo muito mais forte do que na América do Norte.
6 – O que você viu de mais marcante na última viagem? Onde foi?
O nascer do sol perto do cume do Monte Aconcágua, com infinitas montanhas ao fundo (Argentina).
7 – O que não pode faltar na sua mala?
Meu iPhone, com dezenas de livros, meu GPS, câmera, Skype… gadget perfeito para viagens.
8 – O teletransporte é possível pra você neste exato minuto, e para somente um destino. Para onde você vai?
Assumindo que o teletransporte também me traga de volta – Monte Vinson na Antártica! Mas não gostaria de ficar preso por lá!
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Respostas de 8
Adorei a entrevista! E que fotos lindas!
Ótima entrevista. E é claro que me identifico 100% com este tipo de viagem !!
Obrigado pelo apoio pessoal!!!
Nós que agradecemos a sua participação aqui com a gente. 😉
Seus posts são ótimos e super inspiradores.
Parabéns Rafa….
Parabens pela entrevista. Se ganhar na loteria serei a sua patrocinadora!
Show!!!
Acho que p Rafa iria adorar a NZ!!