A montanha mais alta do mundo fora do Himalaia fica pertinho do Brasil. Aliás, ela está na fronteira entre a Argentina e o Chile, em território Argentino – o Aconcágua. O monte reina solenemente no alto dos Andes com seus 6.962 metros de altitude. Assim como, oferece apenas 40% da pressão atmosférica que estamos acostumados a respirar. Então, só corajosos encaram a aventura de fazer uma Expedição Aconcágua. E aqui vamos contar sobre como é encarar a montanha.
Tecnicamente o Aconcágua não é uma montanha difícil de se escalar, pois não exige o uso de equipamentos para ascender paredes verticais. Isso, desde que se suba pela rota “normal” através da sua face norte. Mesmo assim, a montanha causa várias fatalidades todos os anos. Infelizmente, na minha expedição ao Aconcágua dois membros foram evacuados de helicóptero por problemas médicos. Além de uma amiga que sofreu queimaduras de frio nos dedos da mão. Isso aconteceu ao descer da montanha no meio de uma nevasca que durou várias horas e deixou o grupo sem visibilidade. Mas vamos lá saber de todos os detalhes…
Expedição Aconcágua
Sobre o Aconcágua
Seu nome tem várias origens, mas a mais aceita é Ackon Cahuak ou “Sentinela de Pedra”, no idioma Quéchua dos Incas. Este nome vem do fato de terem incrivelmente encontrado uma múmia congelada de uma criança Inca de 7 anos. Ela foi encontrada por alpinistas em uma caverna nas suas encostas, em 1982.
Sobre a Expedição Aconcágua
A expedição Aconcágua começa na cidade Argentina de Mendoza, uma das capitais mundiais do vinho. No mês de Janeiro o clima é quente e seco e a cidade está repleta de turistas. Então, turistas, aventureiros e alpinistas (ou “andinistas”, como são chamados por lá) se misturam pelas ruas da cidade. Mas uns estão ocupados em se certificarem que absolutamente nada falta para sua aventura. Enquanto outros, só querem apreciar um bom vinho. Mas falemos dos aventureiros! Eles estão atrás de seus suprimentos, mapas topográficos, sacos de dormir, luvas e casacos para a altitude extrema. Ainda precisam retirar a permissão oficial para entrar no parque e subir a montanha, que também é retirada em Mendoza.
Início da aventura
Finalmente de Mendoza, as expedições partem a vila de Penitentes, perto da fronteira com o Chile. Este lugar fica na base da Cordilheira dos Andes, de onde se entra no parque. Os hotéis nessa região desértica e montanhosa já são bem mais rústicos que em Mendonza. Na verdade, estão lá por causa das estações de esqui que abrem durante o inverno para o público Argentino. Apesar de não funcionarem só por causa dos grupos que chegam dos quatro cantos do mundo para tentar escalar o Aconcágua durante o verão, eles cumprem bem a função.
A partir dali uma outra sociedade se forma, com seus próprios dialetos e cultura própria. Então, alheia aos problemas do resto do mundo se forma um grupo focado num ponto: chegar ao topo do Aconcágua. São guias, montanhistas, médicos expedicionários, mochileiros e carregadores, muleiros, ajudantes e cozinheiros. Ou seja, todo o tipo de gente que habita os acampamentos ao redor do Aconcágua. Nosso grupo era composto por brasileiros, americanos, uma australiana, um neozelandês e dois suíços. Além destes, tinham guias Bolivianos. Dessa forma, precisávamos nos comunicar constantemente em Inglês, Francês e Espanhol para tudo dar certo.
Acampamento-base
Da entrada do parque se caminha algumas horas até o primeiro acampamento-base de Confluência. Ali, ficamos algumas noites para começar a aclimatização a 3.380 metros de altitude. Os acampamentos-base são pontos de encontro para todas as expedições. Dessa forma, eles possuem amenidades como chuveiros improvisados e tendas-restaurante. Inclusive, em alguns acampamentos-base tem até serviço de telefone-satélite e Internet. Embora sejam extremamente lentos e caros.
Além disso, os acampamentos contam com médicos e heli-pontos para helicópteros de resgate. Certamente, são excelentes locais para se relaxar alguns dias, recuperar o fôlego e se preparar para as altitudes acima. Toda a carga entre os acampamentos-base são transportadas em comboios de mulas. Sendo que cada mula levando em torno de 60 quilos, guiadas por vaqueiros, ou “muleiros”, ou gaúchos. Você sabia que o povo dos pampas Argentino também se chama “gaúcho”? Pois é.
Subindo a primeira parte da montanha
De Confluência partimos para o segundo e último acampamento-base, o Plaza de Mulas. Ele fica a 4370 metros e é o segundo acampamento-base mais alto do mundo, depois do Everest. Fomos seguindo o leito do rio Horcones que se alimenta de geleiras e cruza vales desérticos e montanhas.
A primeira parte da travessia até Plaza foi extremamente bela, com muito sol e calor, chegando a 45 graus. Mas logo após o meio-dia a primeira dificuldade da expedição nos pegou completamente de surpresa. Primeiramente um temporal que nos alcançou no meio da trilha. Dali o temporal virou uma chuva de granizo que nos deixou completamente encharcados. A chuva de granizo então virou uma tempestade inclemente de vento e neve. Simplesmente eu não conseguia acreditar no que via ao meu redor.
A medida que as horas passavam, nós ficávamos mais cansados subindo os vales e o tempo se deteriorava. Finalmente, com a neve congelando nossas roupas e corpos molhados, chegamos em Plaza de Mulas depois de 10 horas de travessia. Algumas pessoas estavam apenas exaustas, mas outras estavam com sinais de hipotermia.
Após uma noite de descanso em Plaza, três pessoas desistiram (uma delas retornou de helicóptero sob recomendação dos médicos estacionados no acampamento). Sabíamos que ainda estávamos na parte baixa da montanha e os desafios estavam apenas começando. Por fim, cinco pessoas continuaram, além dos guias e lideres da expedição.
Aclimatação
Acima de “Plaza” todos os acampamentos teríamos apenas o que carregaríamos conosco nas mochilas. Ainda restavam três acampamentos: Plaza Canada (5050 metros), Nido de Cóndores (5570 metros) e Plaza Berlín (5940 metros). De Berlín lançaríamos o ataque ao cume do Aconcágua.
Antes de ascender e mudar para cada acampamento superior, precisamos deixar o corpo se adaptar à altitude. Pois com ar rarefeito nossos pulmões simplesmente não conseguem mais capturar oxigênio suficiente para sustentar todas as funções do organismo. Como resultado, sentimos dores de cabeça, tontura e fraqueza. Se continuarmos a subir sem aclimatar, sérios problemas podem acontecer, como edemas (fluido se acumulando nos órgãos) pulmonares ou cerebrais.
Mas a natureza é realmente fantástica, e com o passar do tempo, nossos corpos naturalmente se adaptam. Afinal, o organismo percebe o problema e reage. Assim como, o sangue enriquece em glóbulos vermelhos, novamente capturando oxigênio mesmo com o ar “pobre”. Portanto, com cautela e monitorando o nível de oxigenação (glóbulos vermelhos no sangue) diariamente, acampamos por algumas noites em cada ponto. Assim como, levamos cargas temporárias para as partes mais elevadas da montanha, descansando sempre que necessário. Mesmo com toda a cautela a altitude pode afetar qualquer um, e a medicina ainda estuda esse fenômeno sem respostas definitivas.
Imprevistos
Um membro do nosso grupo, de fato um dos mais fortes e bem dispostos até aquele ponto, acordou uma manhã tossindo descontroladamente. Sua frequência respiratória estava muito alta e sua oxigenação sanguínea muito baixa. Então, sabíamos o que isso significava. Precisávamos retirá-lo dali imediatamente e ajudá-lo a descer. Ao encontrar ar mais rico em oxigênio o corpo se recupera quase que imediatamente, mas a resposta precisa ser rápida.
Ajudei um guia a carregar o companheiro até um ponto em Nido de Condores onde a patrulha de montanha pode ajudá-lo. Então, entramos em contato pelo rádio com a médica no acampamento-base abaixo e pedimos um resgate de helicóptero. Em 40 minutos ouvimos o abençoado som do helicóptero se aproximando, e a nossa sensação era de alívio.
Perdemos mais um membro da expedição, mas sabíamos que ele estava em boas mãos. Assim como, ele iria descer a montanha em segurança e retornar a Mendoza naquela mesma noite. Um dos líderes da nossa expedição também desceu a montanha para dar apoio. Tenho que dizer que a infraestrutura de resgate mantida pelo governo Argentino no Aconcágua é extremamente profissional e eficiente. Pelo rádio e telefone-satélite ficamos sabendo que nosso amigo passava bem, e agora éramos apenas 4 montanhistas, mais os guias.
Adiante e ao cume!
Nos últimos dias antes do cume ficamos apreensivos por relatos de montanhistas que desciam da montanha sem sucesso. Por causa da enorme quantidade de neve caindo, vento e risco de avalanches. Inclusive, um montanhista da Groelândia desceu reclamando que a alta-montanha estava extremamente fria! Podíamos esperar por uma janela de tempo mais adequada por mais alguns dias, mas não todos. Todos nós tínhamos passagens aéreas com datas marcadas e nossas famílias nos esperavam.
Finalmente, a nossa oportunidade veio e planejamos o ataque ao cume para o dia 26 de Janeiro. Chegamos em Plaza Berlín na tarde do dia anterior e descansamos o máximo possível nas barracas. Então, nos hidratamos e checamos nosso equipamento até a madrugada do dia seguinte. Por volta das 5 da manhã saímos sob a luz das estrelas para o cume.
Após 10 horas de subida alcançamos o sonhado cume do monte Aconcágua! Foi extremamente difícil, não saberia como descrever com palavras o efeito da altitude e o quão cansado me senti. Assim como, não sei quantas centenas de vezes pensei em desistir.
Mas, ao chegar no cume temos apenas euforia, todos os sacrifícios desaparecem, os meses de preparo se realizam naquele ponto. Fora o gosto da vitória, que também é indescritível. Todos nós devemos muito aos nossos guias que nos encorajavam com paciência. Mesmo quando levávamos um tempo enorme para cobrir uma distância de poucos passos, e sentimos uma enorme gratidão.
Mas a história não acaba aqui.
Tempestade no cume
Mais uma vez, a montanha iria cobrar um preço alto. Ao chegar no cume, o bom tempo que aproveitamos na subida acabou e mais uma tempestade branca chegou. Então tivemos apenas 15 minutos para tirar fotos e nos abraçar. Em seguida, os guias nos instruíram a sair dali e descer imediatamente.
Em menos de meia hora fomos encobertos por uma forte ventania de neve e ficamos sem visibilidade. Alguns estavam tão cansados que não falavam mais, mal andavam sob as próprias pernas, e eram levados pelos guias. Felizmente eu ainda conseguia caminhar, pensar, e me comunicar.
A subida é apenas a metade do caminho, a grande maioria dos acidentes em alta montanha acontece na descida. Eu estava preocupado e a adrenalina me colocou em alerta naquele momento, apesar de não possuir muito mais energia. Vi os guias se comunicarem com o nosso acampamento pelo rádio, planejando como lidar com a situação. A escolha foi nos movermos como um grupo, atravessando a tempestade com cautela até alcançarmos nossa “casa”. Tentei ajudar os guias no pouco que podia, compartilhando o que ainda tinha de chá quente da minha térmica com os outros. Assim como, vendo se casacos estavam fechados, luvas postas, se alguém precisava de comida, etc.
Guias
Nossos guias mais uma vez impressionaram. Não só atravessando a tempestade cega e encontrando o caminho de volta sem hesitar, mas cuidando do grupo com calma e profissionalismo. No meio do jornada de volta mais um guia nos encontrou, saindo da segurança do nosso acampamento para nos dar apoio. Chegamos de volta nas barracas em torno de 9 da noite, após 16 horas de escalada. Nos esperavam com água quente, chá e sopa.
Celebramos um pouco, comemoramos juntos e após me alimentar e hidratar, finalmente entrei em meu saco de dormir. E aí eu mergulhei num sono profundo até o dia seguinte.
O retorno
O retorno a Mendoza foi calmo, com tempo bom. Descobrimos que no retorno do cume nossa amiga australiana não usou suas luvas mais quentes e teve congelamento parcial dos dedos. Mas os médicos a avaliaram e ela ficará bem. Essa mesma australiana permaneceu na Argentina depois da expedição. Ela foi trabalhar como voluntária nas favelas e hospitais em Córdoba. O resto de nós retornou para casa com a alegria do cume conquistado e uma história para compartilhar!
Abaixo segue o vídeo que eu fiz (em inglês) sobre nossa expedição ao Aconcágua!
Link: http://youtu.be/iJx6LbFKCLI
Veja mais:
• Parque Provincial Aconcágua (em Espanhol).
• Expedição ao Aconcágua – relatos diários (em Inglês), por Berg Adventures International.
Todas as aventuras de Montanhismo e Alpinismo do Viajoteca, podem ser acompanhadas nesse link.
